... uma menininha magrela e nariguda, que, com seus onze anos, odiava ir para as festinhas das colegas da escola. Na época, a moda era dançar música lenta e ela quase nunca conseguia um par para dançar. Os meninos, claro, preferiam as gatinhas descoladas que já jogavam charme, vestiam Popcorn e tinham algum peito por baixo do primeiro Valisere. Para passar o tempo - e fingir que estava tudo bem -, ela dava voltar pelo salão do play, pegava um Fandangos aqui, um refri ali... até dar a hora de voltar pra casa. Pois foi numa dessas festas, de alguma dessas colegas - se não me engano da Leka Kuperman, uma dessas gatinhas descoladas -, num desses plays da Zona Sul, que conheceu outra menininha, da mesma série. Lá estava ela: sozinha, sentada no balanço de um parquinho vazio. Claro, o momento era da música lenta e ela, assim como eu, a tal menina magrela, por algum motivo, não queria estar no salão. Ela era gordinha, ruivinha e sardenta. Sentei do seu lado e começamos a conversar. O papo? Não faço idéia. Só sei que em minutos já éramos amigas. Amigas daquelas que nem o tempo nem a distância separam a gente. Daquela quarta série pra cá muita coisa aconteceu: finalmente desencalhamos - ela primeiro e depois eu, passamos vários carnavais na Bahia à base de litros de ligante, ela trocou de escola, voltou pra nossa escola, eu morei fora, voltei, ela entrou pro CISV, eu namorei um baiano, ela um argentino, vivemos ilusões e desilusões amorosas, ela fez crítica de teatro e eu jornalismo, ela foi pra São Paulo, eu virei roteirista e ela crítica de arte, eu pintei o cabelo de vermelho e ela cortou curtinho, eu me apaixonei por um menino de condomínio bonito e sensível e que sabe andar de skate, ela se encantou por um artista sensível, bonito e que ainda toca piano. Ela foi morar com ele. Eu me casei de vestido off-white, com juiz de paz, buquê e bem-casado. Eu engravidei e... ela também! Enjoadas nos primeiros meses, nos refugiamos na Praia do Forte para entender e viver esse momento, ainda muito novo pra gente. Vomitamos juntas, acordamos juntas de madrugada para atacar a geladeira da casa de meu tio, chupamos muita manga, melancia e picolé Capelinha (eu de amendoim e ela de manga). No dia 15 de abril, a minha bolsa estourou às três da madrugada. Betina, minha filha, estava pra chegar. O que ninguém podia imaginar era que, em algum momento ali, naquele paraíso da Praia do Forte, como duas amigas fazendo traquinagem, Betina e Anita combinaram de chegar juntas ao mundo. E foi assim que, ainda na manhã do mesmo dia, Anita fez uma travessura na barriga da mãe e acabou rompendo sua bolsa. Betina nasceu na São José. Anita na Perinatal. Betina de manhãzinha, Anita de tardinha. As duas arianas, as duas cor-de-rosa, as duas lindas, as duas já muito amadas e abençoadas. E assim (re) começa a história de amizade de dois grãozinhos de areia.
Foto: Dani e Dora, no auge dos enjôos, com Anita e Betina nas barrigas, na praia do Forte. 2007.